sexta-feira, 5 de março de 2010

O Diferencial das Histórias Japonesas

Um fã do gênero não diria que eu entendo muita coisa de histórias japonesas: e não mesmo, li poucos animes e mangás, joguei poucos games. Por outro lado, como Narrador de role playing games e me considerando um “fã de boas histórias”, sou capaz de distinguir algumas características que boa parte dos otakus pode não ter a sensibilidade de enxergar. Se você nunca se interessou por esse tipo de história ou nunca entendeu o que torna as animações orientais tão influentes no mundo do entretenimento, talvez este texto possa esclarecer algumas coisas também. Agora se você é fã de animes ou mangas, ou comics e seriados ocidentais, ou ambos, seu comentário é especialmente importante para aprimorar esta tese. De um modo geral, como sempre, espero que o texto seja proveitoso e agradável a todos.

Para não me tornar repetitivo, quero deixar uma coisa clara desde já: há exceções em ambos os gêneros, em todos os casos. Além de um número cada vez maior de histórias ocidentais se inspirando nas orientais, e vice-versa.

Personagens Humanos

Felizmente esta característica foi severamente atenuada nos últimos anos: a maioria dos antigos super-heróis não sentem medo ou insegurança, não se corrompem, não tem defeitos e são quase invencíveis se não por trapaça ou outro herói (se alguém falou em Super Man, ele também é moralmente perfeito, apenas Clark Kent é tímido, hesitante e um tipo de crítica pessoal à raça humana, e vencê-lo com kryptonita pra mim é trapaça). Os protagonistas de animes e mangás têm defeitos, ainda que exagerados como serem extremamente tímidos ou glutões, ou mais sombrios como ser um espadachim renegado tentando se redimir dos erros do passado. Essas características tornam os heróis japoneses falíveis como qualquer um de nós, o que acaba tornando a história – por mais estranha que seja – mais próxima do espectador. Não conheço ninguém que tenha chorado por um super-herói americano, que sobrevivem a tudo com seus músculos de aço e chavões heróicos, mas conheço dúzias de pessoas que se emocionaram, angustiaram ou sentiram uma alegria eufórica com algum anime, porque mesmo que seus protagonistas sejam extremamente poderosos, às vezes até alienígenas, andróides ou sobrenaturais, ainda são personagens mais “humanos”.

Continuidade

As séries ocidentais costumam seguir uma fórmula básica em todos os episódios: as coisas estão normais, surge um problema, o problema é resolvido durante o capítulo e as coisas voltam ao normal ao final deste, quando muito um problema se estende por dois capítulos, e geralmente esses são os mais memoráveis. Isso torna mais fácil vender a série, você não precisa ter visto os outros episódios para entender o daquela semana. Por outro lado há exemplos como os seriado 24 horas e Lost que escapam desse padrão, ou equilíbrios como Law & Order e Friends, todas séries muito bem-sucedidas.

Essa fórmula padrão tem a desvantagem de sacrificar muitas possibilidades. É raro que personagens recorrentes, aliados ou inimigos, de um episódio apareçam em outro, ou mesmo que um personagem parta, morra ou vá embora para sempre – novamente, quando isso acontece costuma ser muito emocionante. Além de deixar pouco espaço para que a história evolua, por conseqüências os personagens também têm pouco espaço para evoluir, com ocasionais exceções entre as temporadas. Sacrificar a continuidade da trama impede que experiências passadas afetem o futuro, tornando a história mais inverossímil e menos "saborosa”.

Poder Irresponsável

Esta é uma qualidade, do meu ponto de vista, negativa das histórias japonesas: quando monstros destruidores estão sob o comando de criancinhas ou robôs gigantes esmagam prédios e ninguém parece se importar. Como Tóquio ainda é a maior cidade do mundo sendo devastada por monstros e mechas toda semana? Nenhum exército quis recrutar os Digimons, o Pikachu nunca reclama do risco de queimaduras de terceiro grau e mutilações em troca de uma insígnia, o vovô Yugi não proíbe o neto de apostar a alma em jogos de cartas. O poder irresponsável das histórias japonesas é apelativo às crianças e adolescentes, por isso sua presença está na grande maioria voltada a este tipo de público. Os heróis de comics sofrem as conseqüências quando causam o caos e a destruição em lugares públicos, suas habilidades são visadas por organizações poderosas e eles precisam proteger a si e seus queridos com esconderijos e identidades secretas.

Fim!

Boas histórias têm começo, meio e fim. O final pode ser triste ou frustrante, mas deveria ser a parte mais emocionante da história: e se o Homem-Aranha finalmente derrotasse seus inimigos ou morresse tentando, se os mutantes finalmente decidissem a paz ou a guerra com os humanos? Depois de décadas, é esperado que as situações levantadas desde o começo tenham um parecer definitivo ou ao menos “temporariamente definitivo” (Gothan finalmente livre do Curinga, mesmo que isso não garanta a paz eterna da cidade ou nulifique as possibilidades do surgimento de novos vilões, heróis e histórias – NOVOS, nada de milagrosamente voltar com os antigos), seja esse final bom ou ruim. Apesar de sucesso de vendas de brinquedos e longa-metragens sem ordem cronológica definida, ao molde das histórias ocidentais, para muitos as constantes ressurreições de Dragon Ball estragaram a série, que teria ficado melhor se tivesse terminado em tal ponto conclusivo ao invés de “forçar” novas temporadas e ressurreições.

Entendo um pouco de histórias, mas quase nada de desenhos, senão arriscaria dizer também que os traços detalhados das comics são muito menos expressivos que os mangás. Esses pontos são pra mim o que une todas as histórias japonesas e já se sabe o que esperar quando se fala em anime, mesmo com histórias drasticamente diferentes. Não sei se por ponto de vista pessoal ou coincidência mas vejo muita semelhança entre este gênero e os RPGs (não sei de nenhuma inspiração dos criadores do RPG – norte-americanos – em histórias orientais), principalmente em continuidade e personagens humanos: em Caverna do Dragão, por sinal criada na década dos super-heróis invencíveis, todas as crianças ocasionalmente tem medo e atitudes covardes ou egoístas. Também por razões óbvias, histórias de RPG têm continuidade – sendo esse um dos principais atrativos e objetivos do jogo. A saber, Caverna do Dragão tem um fim, ainda que seja difícil de encontrar o roteiro original no meio de tantos boatos, mas o fato de o público ocidental acostumado a séries sem conclusão perguntarem por ele prova que é um gênero especial!

Espero ter ao menos lançado um olhar construtivo na compreensão de histórias de qualquer gênero e qualquer tipo, televisivas, literárias, cinema ou quadrinhos.


Este post é um complemento ao post sobre animes do blog do Luiz (o Lheofacker na lista dos recomendados). Dedico também a todos os fãs de animes e/ou comics, incluindo a Nany e a Helysa cujas opiniões valorizo muito e amizade gostaria de ter apesar de nos vermos quase nunca, a Heather que despertou meu interesse para uma série maravilhosa, a Isa, a Ana/Bia, a Danixan, a Ananda, a Vichy e o Andrey. Meu perfeccionismo vê uma enorme chaga porque fevereiro é o único mês com um post só, tento explicar com o carnaval (nem curto e mais tempo livre), com o dia a menos (e os outros vinte e sete dias?), mas a melhor é: antes não postar nada que postar lixo qualidade inferior. Alguém me diga que não tem problema!

7 comentários:

  1. a)Pra mim, poder irresponsável é bom, pois adiciona mais surrealidade à história. Porém, não nas mãos de criançinhas bestas... Death Note, por exemplo: o cara tem o poder de matar as pessoas escrevendo num caderno, cadê a responsabilidade nisso? Ainda assim o anime é ótimo e não podia ser melhor, acho
    b)Caverna do Dragão, pra mim, é apenas mais um desenho sem continuidade, assim como novelas da globo: enrola, enrola, enrola, enrola, e quando cansar ou não der mais, inventa um fim subitamente. Vai dizer que não existiam 129469815986723 maneiras de voltar pra casa que eles tinham que perder pra não acabar a história? E, aliás, qual era o graaaande objetivo do Vingador e what the fuck o Mestre dos Magos faz?

    Fora isso, eu concordo com todo o resto o/
    (Inclusive sobre postar lixo e_e)

    ResponderExcluir
  2. Ah, e eu não diria "histórias japonesas", pois entende-se que são os contos e mitos japoneses, ou até a história do Musashi =p
    "O diferencial das histórias de animes/mangás", sei lá x_x

    ResponderExcluir
  3. Okay okay... Eu li o título, e imaginei que um dia você ia falar da culinária japonesa, uma vez que eles moram numa tripa de terra com oceano dos dois lados, e comentar que eles logo têm uma cultura de pesca, logo comem muito peixe, logo se alimentam bem, logo vivem em média uns cem anos etc etc. É, não precisa ter muito conhecimento para pensar nisso. Se tem uma briga no QG dos super-heróis, ele não está totalmente reconstruído no dia seguinte e tal. Japoneses têm a fama de caprichar muito em detalhes para ter uma originalidade, mas não deixam de ser humanos em pecar que depois do ataque do monstro gigante à semana inteira, todos os prédios estão inteiros, ninguém morreu pisado, e os sentais não ficam exaustos ao final da semana. Para tudo tem uma exceção. Por exemplo, o X, você tem que criar uma barreira pra quebrar e destruir o quanto puder numa batalha épica, e o vencedor decide se será realmente destruído ou não (caso o herói morra, sim. Caso contrário, vira tudo uma pilha de destroços). Dá um debate bem construtivo considerar cada situação, ver que eu tal anime eles são adultos responsáveis, e que em tal HQ os super-heróis têm vida normal.
    Eeeeeeeenfim, parabéns pelo post, idéia muito interessante :D Eu tenho algo pra postar no meu blog, mas ainda não pensei em como eu escreverei ela, que seria mais digna do seu blog. Lances sobre pessoas e suas atitudes/consequências, conclusões psicológicas xD

    ResponderExcluir
  4. Oie!
    Ficou bem criativo seu post =}
    Todas as histórias tem seu ponto fraco no decorrer dos acontecimentos como os caras nunca terem problema em sair do meio do trabalho pra sair voando pela janela, ou dizer pra mãe: 'Mãe, to indo pra outra era enfrentar monstros gigantes que podem me matar. Mas ei, será que dá pra fazer um lanchinho pro pessoal lá?' nem nada assim.
    O traço dos mangás é mais interessante para mim, mas acho que isso parte do gosto de cada um mesmo.
    Será que ter chorado quando o Mufasa morreu conta? Pois eu chorei. x.x

    Parabéns pelo post, Charlie!
    beijo. :f

    ResponderExcluir
  5. p.s: Caverna do Dragão é mó embromation, mas é legal. D:

    ResponderExcluir
  6. Eu concordo com todo o seu post, nem ao menos sei o que comentar.

    Desde a primeira vez que eu entrei em contato com as histórias japonesas eu fiquei encantada, as personalidades das personagens que fazem você pensar: putz, parece comigo quando eu tô com fome, ou parece o meu vizinho e tal, até o modo como é narrada a história, a mudança de ponto de vista e a evolução da história (não enxergo apenas como uma continuação), para mim é um gênero muito bem sucedido de narração.

    Acho engraçado como as personagens são capazes de dar braços e pernas para conseguirem seu objetivo, mas eu acho bem real (levando em consideração que você não poder apostar sua alma em um jogo de cartas no mundo real) o jeito com que eles buscam o que procuram até o fim sem nunca se cansar e talz. Acho que algo da cultura oriental, eu tenho alguns amigos descendentes de japoneses que são assim (só os que continuam próximos da cultura do Japão, o resto é tudo vagal igual a gente ;P).

    E Tóquio se regenera de noite -diks

    ResponderExcluir
  7. Demorei, mas vim!

    Gostei muito do que você escreveu. Aliás, não posso deixar de elogiar a maneira como você dividiu o texto por assuntos para deixar tudo bem explicado, e toda a sua opinião ficou muito bem colocada. Em alguma das conversas de MSN, acho você me disse que ia fazer faculdade de Jornalismo (espero não estar confundindo pessoas .-. /memóriaruim), eu diria que você terá grandes chances nesta área.

    Agora, acho que deveria comentar o assunto do post... (é que realmente gosto da maneira como você escreve, então me distraio).

    Concordo plenamente no que se refere a personagens. Nos animes, os autores buscam criar personagens que estejam próximos do público que querem atingir. E, obviamente, essas pessoas tem defeitos, problemas e etc. Ao trabalhar com esses pontos, muitas pessoas se identificam com o personagem e passam a querer ver o desenvolvimento deste ao longo da série. O que é muito mais interessante do que um super-herói perfeito que sempre salva o dia.

    Alguns pontos que discordo estão em comentários já feitos, então não vejo necessidade de ficar batendo numa mesma tecla.

    No entanto, uma coisa tenho que dizer: quando você falou sobre o traço dos personagens. Um dos meus passatempos é desenhar, então eu tenho umas noções sobre (embora eu nunca tenha feito curso e quem tem todo o direito de me chamar de burra se discordar do que eu digo). O que acontece é que nos comics temos um traço mais próximo do real e reações menos exageradas do que nos mangás, onde o exagero está sempre presente. As emoções nos mangás são mais exageradas do que nos comics, mas não significa que um ou outro seja mais ou menos expressivo. Na verdade, não discordo do que você disse, mas acho que usar o termo "expressivo" é um pouco errôneo em se tratando destas duas artes. Expressão refere-se a algo um pouquinho diferente.

    Agora, tenho que comentar o fim do post, que foi o que você me disse para olhar. Fico muito grata por ter dito que aprecia minha opinião. "...e amizade gostaria de ter apesar de nos vermos quase nunca..." eu me senti culpada ao ler isso. Não ligue, são minhas neuras mesmo :p

    ResponderExcluir